terça-feira, 26 de maio de 2015

A NATUREZA DO EU NÃO-LOCAL

A NATUREZA DO EU NÃO-LOCAL

– Meu letrado filho, o que é que não pode ser ouvido mas torna possível a audição, que não pode ser visto mas torna possível a visão, o que não pode ser conhecido mas torna possível o conhecimento, que não pode ser imaginado mas torna possível a imaginação?
Svetaketu ficou perplexo e em silêncio.
O pai disse então:
– Quando conhecemos uma única partícula de argila, todos os objetos de argila são conhecidos. Quando conhecemos um grânulo de ouro, todos os objetos de ouro são conhecidos. A diferença entre uma joia de ouro e outra jaz apenas no nome e na forma. Na verdade, todas as jóias são apenas ouro e todos os potes são apenas argila. Você é capaz de me dizer, meu filho, qual é a coisa que quando conhecida possibilita que tudo seja conhecido?
Svetaketu respondeu:
– Que pena, meu mestre não me conferiu esse conhecimento. O senhor o fará?
– Muito bem – respondeu Uddalaka. – Vou lhe ensinar.
“O universo inteiro é uma única realidade e essa realidade é a consciência pura. A consciência pura é a existência absoluta. É o Um que não é seguido por um Segundo. No início o Um disse para si mesmo: ‘Vou me diversificar e me converter nos muitos, tornando-me assim todos os que vêem e todo o cenário.’ O Um penetrou nos muitos e se tornou o Eu de cada um. Os seres de todas as coisas são o Um e este Um é a essência sutil de tudo o que existe. É o que você é, Svetaketu.
“Dessa mesma maneira, as abelhas fabricam o mel a partir do néctar de numerosas flores, mas depois que o mel é fabricado, o néctar não pode dizer: ‘Sou desta ou daquela flor’. Assim, quando você se funde com o seu eu não-local, se torna uno com o eu de tudo o que existe. Esse é o verdadeiro eu de tudo, e Svetaketu, é o que você é.”
– Esclareça-me mais, meu pai – o jovem replicou.
Uddalaka fez uma pausa  antes de falar.
“O rio Ganges corre para o leste. O rio Indo corre para o oeste. No entanto, ambos finalmente se tornam o mar. Depois de vir a ser o mar, eles já não pensam: ‘Eu sou o Ganges’ ou ‘Eu sou o Indo’. Do mesmo modo, meu filho, tudo o que existe tem origem no eu não-local e este eu é a essência mais sutil de todas. Ela é o verdadeiro eu. É o que você é, Svetaketu.
“Quando o corpo definha e morre, o eu não morre. O fogo não pode se queimar, a água não pode se molhar, o vento não pode se secar, armas não podem se destruir. Isto está por nascer, não tem início ou fim. Está além dos limites de tempo e espaço, permeando todo o universo. Svetaketu, é o que você é.”
– Ilumina-me mais, meu pai – retrucou Svetaketu entusiasmado.
– Traga-me um fruto da árvore nyagrodha – Uddalaka disse.
Svetaketu trouxe o fruto.
– Abra-o.
Svetaketu obedeceu.
– O que você vê, meu filho?
– Pequenas sementes, meu pai.
– Parta uma agora.
Svetaketu partiu a pequena semente.
-O que você vê, meu filho?
– Vejo que nada mais resta, meu pai.
– Isso que você não vê é a essência sutil, e toda a árvore nyagrodha nasce dela. Da mesma maneira, o universo brota a partir do eu não-local.
Finalmente, Uddalaka pede a Svetaketu que coloque um cubo de sal dentro de um balde de água. No dia seguinte, o sábio pediu ao filho que lhe devolvesse o cubo de sal.
– Não posso devolvê-lo – respondeu o jovem – Ele se dissolveu.
Uddalaka pediu ao filho que provasse a superfície da água.
-Diga-me como ele está?
– Salgada, meu pai.
– Prove no meio e veja como ela está.
– Salgada, meu pai.
– Prove no fundo e me diga como ela está.
– Salgada, meu pai.
– Assim como o sal está localizado no cubo e disperso na água, o seu eu também está simultaneamente localizado no seu corpo e permeando todo o universo.
“Meu querido filho – disse Uddalaka. – Você não percebe o eu no seu corpo, mas sem ele suas percepções não seriam possíveis. Não podemos conceituar o eu, mas sem ele, a conceituação não seria possível. No entanto, quando nos tornamos o eu e vivemos a partir do nível desse eu não-local, nós nos conectamos a tudo o que existe, porque o eu é a origem de tudo o que existe. Verdade, realidade, existência, consciência, o absoluto – independentemente de como o chamarmos, ele é a realidade suprema, a base de toda a existência. E é o que você é, Sevetaketu.
“Viva a partir desse nível, Svetaketu, e todos os seus desejos se tornarão realidade, porque a partir desse nível eles não serão apenas os seus desejos pessoais; estarão alinhados com os desejos de tudo o que existe.”
Svetaketu praticou tudo o que havia aprendido e tornou-se um dos grandes videntes da tradição vedântica.

Essa história é extraída de um dos mais importantes textos vedânticos, o Upanishad Chandogya. (Fonte: http://estaremsi.com.br/)


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